A montanha mágica de Thomas Mann

A passagem do tempo e seu enigmático significado

Publicado por G. T. Tessmer em 06 de setembro de 2022

A montanha mágica de Thomas Mann é um livro peculiar e especial. Clássico da literatura alemã, representa um exemplar imponente do chamado "romance de formação" (Bildungsroman, em alemão). O termo refere-se às obras literárias que abordam o desenvolvimento do personagem, da infância, adolescência até a idade idade adulta.

Mencionar a palavra clássico quase sempre é suficiente para afugentar leitores. É motivo para considerar a leitura antiquada, difícil ou simplesmente sem graça. Mas posso afirmar com convicção, não é o caso desta obra. É necessário apenas fazer uma ressalva. O livro é enorme, com 848 páginas, a edição da companhia das letras é um verdadeiro monumento. E isso por si só é um pouco intimidador. Salvo a advertência, a leitura de A Montanha Mágica é uma experiência única e inigualável.

Thomas Mann

Thomas Mann lendo um livro de Theodor Fontane, o expoente máximo do realismo alemão

Hans Castorp, o famigerado protagonista desta história, (descrito pelo autor como nosso herói), embarca em uma viagem para visitar o primo doente, internado em um sanatório para tuberculosos em Davos, nos alpes suíços. Com a intenção de passar apenas três semanas na companhia do primo, Hans não imagina as consequências psicológicas que sofrerá ao chegar no lugar.

No alto da montanha, o clima extremo de altitude é classificado como "neve eterna". A rotina dos residentes do sanatório Berghof é dedicada à um regime rigoroso de atividades que incluem fartas refeições, períodos de descanso e relaxamento, palestras orientadoras e motivacionais, passeios ao ar livre e um rígido controle diário da temperatura. Estas são algumas peculiaridades do lugar. A instituição é liderada por dois médicos excêntricos, Dr. Behrens e Dr. Krokowski que possuem técnicas milagrosas de cura e uma retórica enfática e convincente em dissuadir pacientes a permanecerem indefinidamente hospedados na casa de repouso.

O ambiente burguês e internacional se assemelha a um hotel de luxo, onde pacientes ricos podem esbanjar seus recursos financeiros. Hans é convencido pelos novos amigos que o tempo passa de maneira diferente neste lugar. E de fato, tudo ali possui outro ritmo, que se arrasta de forma lenta e contínua. O jovem estudante de engenharia naval, percebe que seus planos de passar três semanas no local se extendem indefinidamente. No alto da montanha gelada, isolado do resto do mundo, três semanas se transformam em sete anos. Neste estilo de vida, Castorp se dedica como todos outros residentes à simples contemplação da passagem do tempo. Mas a vida neste lugar não é inteiramente inútil ou tediosa, apesar da monotonia e desobrigação. Hans Castorp, conta com a amizade do literato humanista italiano Lodovico Settembrini, que incansavelmente apresenta suas teorias filosóficas e correntes de pensamento, tentando seduzir o jovem rapaz. Castorp também irá presenciar com frequência o embate intelectual e ideológico entre Settembrini e o conservador jesuíta Leo Naphta.

No mundo livre de preocupações e obrigações mundanas, Hans abandona o desejo de uma vida prática e uma profissão séria para se tornar um filósofo sonhador idealista. A exaltação deste processo, ocorre no amor platônico que sente pela paciente Clavdia Chauchat. O magnetismo e intensidade de seus sentimentos e a recíproca que acredita existir, se desvanecem completamente no decorrer do enredo. Há neste mundo idealista, protegido e alienado, o contraste gritante com a Europa à beira da primeira guerra mundial. Este cenário é marcado por uma tentativa de fuga, o escapismo que busca em vão se apartar de uma realidade indesejada. Não é possível divorciar o santuário de Berghof do contexto de guerra, morte e destruição que se forma no mundo nesta época.

A Montanha Mágica é um romance de leitura lenta, onde a distorção do tempo dentro do sanatório, é a mesma que sente o leitor. Letárgico, melancólico e sedutor. Não é um livro para ler com pressa, é preciso se entregar para compreender os meadros de uma história mágica e enigmática.