Caetés

A estréia de Graciliano Ramos

Publicado por G. T. Tessmer em 07 de agosto de 2023

Caetés é o primeiro romance do escritor brasileiro Graciliano Ramos. A história desenvolve-se na cidade de Palmeira dos Índios, no interior de Alagoas. O interiorano vilarejo é palco e cenário do enredo do livro. É curioso saber que Graciliano foi prefeito desta cidade entre 1928 a 1930.

O livro é narrado por João Valério, personagem principal que apresenta a história através de seus devaneios mentais. Valério é um cara introvertido, meio calado, que possui a intenção e o desejo de escrever um romance. O romance homônimo de Valério (o livro do personagem possui o mesmo nome da obra de Graciliano) é sobre os índios Caetés. Esta tribo indígena de língua Tupi habitava o litoral brasileiro entre a ilha de Itamaracá e o rio São Francisco. Sabe-se que possuiam o hábito do antropofagismo ritualístico e que foram aliados comerciantes dos franceses por um certo tempo. Posteriormente foram escravizados pelos portugueses e dizimados até a total extinção.

Graciliano Ramos

Graciliano Ramos

 Valério possui a ideia de escrever este livro, mas no decorrer da narrativa apresenta-se indeciso e inseguro sobre como proceder com seu romance. Hesitante e irritado, questiona a si mesmo:

"De mais a mais a dificuldade era grande, as ideias minguadas recalcitravam, agora que eu ia tentar descrever a impressão produzida no rude espírito da minha gente pelo galeão de d. Pero Sardinha. Em todo o caso apinhei os índios em alvoroço no centro da ocara, aterrorizados, gritando por Tupã, e afoguei um bando de marujos portugueses. Mas não os achei bem afogados, nem achei a bulha dos caetés suficientemente desenvolvida.
Com a pena irresoluta, muito tempo contemplei destroços flutuantes. Eu tinha confiado naquele naufrágio, idealizara um grande naufrágio cheio de adjetivos enérgicos, e por fim me aparecia um pequenino naufrágio inexpressivo, um naufrágio reles. E curto: dezoito linhas de letra espichada, com emendas. Pôr no meu livro um navio que se afunda! Tolice. Onde vi eu um galeão? E quem me disse que era galeão?"

 João Valério é uma pessoa simples, com pouco estudo e um trabalho trivial em uma firma comercial. Sua vida se complica quando percebe que está apaixonado pela esposa do seu patrão. Neste ponto, de certa forma, o livro que pretende escrever é uma espécie de sublimação, uma tentativa de impressionar e se promover como intelectual perante o círculo social que participa.

No contexto geral, a história relata o cotidiano dos habitantes da pequena e pacata cidade do interior. A peculiaridade de seus diversos personagens é descrita brevemente, apenas com características físicas ou traços psicológicos individuais. As ocupações e trivialidades destas pessoas, as interações sociais típicas de uma pequena cidade do interior são narradas com maestria, tornando impossível não imaginar o cotidiano rural daquela gente.

Os personagens são muitos: Adrião, Luísa, João Valério, Vitorino Teixeira, D. Engrácia, Nicolau Varejão, Marta Varejão, Neves, Tabelião Miranda Nazaré, o advogado Evaristo Barroca, o vigário dr. Liberato, o jornalista Isidoro Pinheiro, D. Maria José, padre Atanásio, Clementina, Pascoal, Mesquita, Zacarias e mais alguns outros.

No decorrer do livro a paixão de Valério torna-se o foco da história. Ele conquista Luísa e o adultério é consumido entre os dois. Após uma carta anônima revelar a traição da esposa e de seu funcionário, Adrião comete suicídio. Existe aí uma relação intrínseca entre o antropofagismo dos caetés e o lado selvagem do protagonista que percebe sua atitude em destruir o casamento de seus patrões e a própria vida de Adrião. 

Após a morte de Adrião, a relação com Luísa acaba. Encerra-se também sua tentativa fracassada de escrever um romance histórico. Abandona a empreitada. Retorna para sua vida corriqueira, concentra-se no trabalho, torna-se sócio da casa onde era empregado ao lado de Vitorino Teixeira.

Definitivamente o romance é uma estréia fantástica. Mesmo com todos os críticos e detratores na época em que foi publicado, Caetés marcou presença e consolidou o início da carreira literária de Graciliano Ramos.