Resenha: O jogo das contas de vidro

A obra prima do escritor alemão Hermann Hesse

Publicado por G. T. Tessmer em 23 de agosto de 2022

O jogo das contas de vidro

O jogo das contas de vidro define o ápice da carreira literária do escritor alemão Hermann Hesse. Com quase setenta anos de idade, a obra foi escrita no momento áureo da vida do autor. Neste livro, o gênio criativo do artista destila experiência e maturidade, definindo o que pode-se chamar de sua magnum opus. Fato é que a obra valeu a Hesse a atribuição do prêmio Nobel de literatura em 1946.

O escritor Hermann Hesse lendo um livro

O escritor Hermann Hesse serenamente absorto na leitura de um livro

Em um futuro distante, no ano de 2200, existe uma comunidade formada por uma elite intelectual e espiritual intitulada Castália. Esta organização é responsável por manter os princípios axiomáticos e leis régias que definem o conhecimento de toda humanidade. Neste ambiente peculiar (que embora futurista não apresenta tecnologias avançadas como máquinas ou computadores), a narrativa descreve a vida de josé Servo, um homem destinado a ocupar o posto de Magister Ludi, o mais alto título hierárquico da nobreza intelectual desta sociedade utópica.

Castália é uma comunidade espiritual formada por uma elite de pessoas dotadas de grande erudição. Neste grupo, a rotina dos estudantes é dedicada aos estudos e ao aprimoramento de conhecimentos. No conjunto de práticas monásticas, o jogo dos avelórios (jogo das contas de vidro) possui papel de detaque em todo os processos da comunidade. É o supra sumo do conhecimento, um instrumento ritualístico que encerra uma linguagem própria e oculta.

"Quando o mundo está em paz, quando todas as coisas estão em calma, obedecendo em suas transformações ao seu superior, então a música pode atingir a perfeição."

A história gira em torno da biografia do protagonista e se concentra em revelar a vida litúrgica, os ritos e formalismos desta curiosa comunidade. Os fundamentos do complexo oráculo que definem os princípios que regem a sociedade, são formados por um conjunto esotérico de diferentes artes e ciências como música, matemática e astronomia. José Servo (ou Joseph Knecht, nome original do personagem) é direcionado a harmonizar aspectos distintos e contrastantes da vida reclusa e monástica de Castália, com a vida do homem comum e do mundo real.

No final do livro, há o relato de Servo, já velho, banhando-se em um lago de águas geladas e o posterior deterioramento de sua saúde como consequência deste ato. Neste ponto, está inserido uma intrínseca e oculta correlação com o nome Castália. Na cosmogonia grega, Castália é uma ninfa aquática, uma náiade. Foi transformada por Apolo em uma nascente, próximo à Delfos, na base do monte Parnaso. O nome da comunidade foi escolhido cuidadosamente e neste exato trecho do livro revela profunda significação.

Nos apêndices, histórias independentes entre si narram encarnações anteriores do personagem principal, o mestre do jogo. Nestes breves contos finais, "as três existências", o livro se revela como uma visão panorâmica, proporcionando fundamento e coesão no conjunto da obra.

A narrrativa é densa e possui um ritmo lento e monótono. Os lemas e fundamentos do jogo são descritos em pensamentos e ponderações de complexidade polifônica. O texto é abstrato e não segue um enredo padrão convencional. Há inúmeras divagações de ordem puramente filosófica e intelectual, o que não torna a leitura fácil e nem muito empolgante. É um livro que instiga à introspecção e análise do contraste entre um ideal utópico e as necessidades práticas de cada indivíduo. As contradições entre os impulsos pessoais do protagonista e a sociedade hierárquica em que vive, definem o cerne do arco narrativo. Definitivamente, não é uma leitura que agrada a qualquer leitor, mas sem dúvida é um livro excepcional.

A resenha apresentada aqui é baseada no livro "O jogo das contas de vidro" em português. Uma edição da BestBolso, selo da Editora BestSeller Ltda, do grupo Record. A tradução do original - DAS GLASPERLENSPIEL por Lavínia A. Viotti e Flávio Vieira de Souza, 2007.