O realismo mágico de Murilo Rubião

Contos e fábulas

Publicado por G. T. Tessmer em 21 de março de 2023

Murilo Rubião foi pioneiro da narrativa fantástica na literatura brasileira. Perfeccionista, reescrevia seus textos com frequência em eterna busca pela perfeição. Como ele próprio dizia, nada é definitivo. Solteiro, celibatário convicto, solitário e introspectivo. Antigas fotografias no seu apartamento em Belo Horizonte transmitem um ar de sobriedade e moderação. Atributos constituintes do território fecundo de uma mente imaginativa.

Rubião é mineiro, de primeiro de Junho de 1916. Jornalista de formação, graduado em 1942 pela Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. Teve uma carreira bastante diversificada. Trabalhou como assessor político e em 1951, foi chefe de gabinete do governador Juscelino Kubitschek. Também exerceu o cargo de redator da Folha de Minas e de diretor da rádio Inconfidência. Em 1947 lançou o primeiro livro de contos, intitulado o ex-mágico. Na época, a obra não teve grande repercurssão. Tímido e modesto afirmou: "Sete anos levei para escrever e publicar o meu primeiro livro O Ex-Mágico. Nem por isso ele saiu melhor." Em 1974, ganhou súbita fama com a publicação de O pirotécnico Zacarias, talvez a obra mais popular do autor.

Fã exaltado de Machado de Assis, costumava dizer, orgulhoso: "aos 21 anos, eu já tinha lido Memórias póstumas de Brás Cubas vinte vezes." Certamente uma atitude excêntrica e obssessiva, expressando a busca ininterrupta de valores estéticos e estilísticos. Admitia também outras influências que o ajudaram a definir seu próprio estilo, como os alemães Adelbert von Chamisso (1781-1833) e E. T. A. Hoffmann (1776-1822). O americano o Edgar Allan Poe (1809-1849) e o espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616).

Murilo Rubião

Murilo Rubião produzindo fulgurações em sua máquina de escrever

Agnóstico por vocação, tinha um hábito curioso e aparentemente paradoxal. Escolhia minuciosamente versículos bíblicos que eram utilizados como epígrafes para seus contos. Todos, sem exceção. E não foram muitos, trinta e três no total.

Apesar de breve e lacônica, sua obra pertence ao suprasumo de nossa literatura. Especialmente como expoente do realismo mágico, corrente literária pouco explorada no cenário nacional. De fato, seus contos possuem um estilo distinto de qualquer outro autor. Foi comparado a Franz Kafka por alguns críticos, e a similaridade é justa. Mario de Andrade mencionou a equivalência, apesar de algumas críticas ácidas que fez ao escritor. Em correspondência, na data de 16 de Junho de 1943, Mário de Andrade escreveu assim:

(...) O mesmo dom de um Kafka: a gente não se preocupa mais, e preso pelo conto, vai lendo e aceitando o irreal como se fosse real, sem nenhuma reação mais. Serão talvez essas as qualidades e caracteres dominantes e mais notáveis nestes apenas três contos: o humorismo asperamente amargo e a força estranha de apassivar dominadoramente o leitor, impondo o irreal como se fosse real. (...)

e mais adiante critica, como faz um professor severo ao aluno esdrúxulo:

(...) Num gênero destes da invenção, há que cuidar muito da... invenção. Escolher muito os elementos, pra não perder a densidade. Isto se nota principalmente em dois casos em que os elementos escolhidos me parecem fracos. No “Mágico” a escolha da profissão de funcionário público me parece muito fácil, pouco sutil, pouco “inventada” e mesmo banal. É uma alusão muito por demais conhecida. (...)

e prossegue as ponderações, apontando o dedo novamente com ar censurador:

(...) Também, no outro conto, a volta à vida do morto, me pareceu muito pouco convincente. (...)

(...) A não-morte do morto na estrada soa como recurso de quem não conseguiu solucionar inventadamente, com lirismo, com criação, o problema que tinha a resolver. (...)

Sabe-se que entre os dois escritores existiu um certo diálogo epistolar. Mas aqui, exibi apenas a mencionada missiva, onde explicitamente é evidente certa crítica. Outros escritores foram mais delicados com Rubião. Fernando Sabino e Carlos Drummond, por exemplo. Em correspondências disponíveis para download no site do autor, ambos demonstram cordialidade e gentileza com o contista mineiro.

Rubião é o escritor do absurdo, inconcebível e inexplicável. As fantasias estão imbuídas de críticas, desafetos, ironias e reflexões. Sempre de maneira velada e oculta, através de simbolismos e nuances no texto. Tudo é possível no universo polissêmico de Rubião. Os contos não são facilmente palatáveis, é necessário certo treinamento, uma adaptação do leitor, para apreciar plenamente o desatino proposital da narrativa.

Confira neste link a obra completa de Murilo Rubião